segunda-feira, 1 de novembro de 2010

"A última que morre" - Martha Medeiros


Gente, tava lendo o Globo ontem e me deparo com uma crônica fantástica sobre a 'esperança'. A Martha tem um jeito muito peculiar de definir certas coisas que a gente até se dá conta que funcionam assim, mas quando nos deparamos com um texto dela, ficamos ainda mais embasbacadas de como ela traduz isso em palavras.
Vale a pena ler de cabo à rabo!
" Atualmente recebemos tanta informação para digerir que não sobra espaço na cabeça para questionarmos ditados já consagrados. Então seguimos repetindo, dia após dia, frases que nos parecem definitivas, com " a esperança é a última que morre", sem se dar conta de que elas não são definitivas coisa nenhuma. Por que manter um estado de ilusão eterno? Em certas circunstâncias, é muito bom perder a esperança.
Esperança não transforma o mundo. Não muda a sua vida. Apenas oferece um breve conforto, faz de conta que as coisas se arranjarão sozinhas através do pensamento positivo. Mas uma coisa é confiar em bons prognósticos, mentalizar situações agradáveis, e outra bem diferente é ficar esperando milagres. Sem querer ofender ninguém: a esperança se tornou obsoleta. Você tem esperança de quê? De um mundo melhor, de um país mais justo? Ainda? O.K., gostaríamos que as coisas fosse diferentes, mas a diferença só se efetiva por meio de ações e reações. Quando você tem esperança, tudo o que precisa fazer é ficar sentado aguardando. Já quando ela morre, acaba a morosidade. Você vira a página, troca de capítulo, vai batalhar por outra coisa. Alguém que cansou de esperar é sempre mais produtivo.
Ninguém nunca analisa as desistências por um foco salutar. Elas podem ser o combustível para o início de outro projeto, de um desejo novo. Nem tudo nasceu pra dar certo. Certas coisas são tortas por natureza, são boas uns 25% e os outros 75% não tem pai-nosso que dê jeito. Ficar paralisado diante de algo que nunca vai mudar é estratégia de preguiçoso. Diante do que não muda, só há uma coisa à fazer: mudar a si mesmo, sacrificando as suas antigas intenções.
Ter esperança de um mundo melhor é um sentimento megalômano. Desista de pensar no mundo, não seja tão ambicioso. Ele nunca vai ser muito melhor do que é, mas seu prédio pode ser, o seu local de trabalho pode ser, já que microcosmos não funcionam à base de esperança, e sim de realizações.
Não que eu proponha radicalizar. A gente pode ter um pouquinho de esperança, claro, desde que ela tenha um prazo de validade, não se transforme numa acomodação vitalícia. Tenha esperança, até a página 15. Se a história não avança, não é preciso morrer decrépito segurando o mesmo livro na mão. Ele vai continuar chato, vai continuar paralisando você.
O desejo é que deve ser o último à morrer. Ele, sim, merece o prestígio que a esperança, essa velha senhora, ainda pensa que tem."

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